Director-Geral do Instituto de Cereais de Moçambique (ICM, IP), defende que o sistema financeiro moçambicano deve ser estudado

Em entrevista ao Dossiers & Factos, o Director-Geral do ICM, IP aborda vários aspectos relacionados ao desenvolvimento económico de Moçambique, com particular enfoque para a produção agrícola. Mahomed Valá começa por apontar o dedo ao sistema financeiro em vigência no país como um dos factores que inibe a progressão dos produtores.

Para mostrar o impacto disso, recorre a comparações. Diz Valá que, em Bangladesh, por exemplo, um jovem de 28 anos anos não compra dez sacos de soja ou gergelim, mas sim um fretline, o que já não acontece em Moçambique com pessoas de idade ainda mais avançada. A diferença, explica a fonte, reside no facto de o jovem de Bangladesh ter dinheiro e o moçambicano não.

Posto isso, Valá convida os economistas a estudarem o sistema financeiro actual. “Não é preciso estudar de forma académica nem economicista. É preciso estudar detalhes de lucro, de ganhos, de valores de valências da economia e como é que isto passa a resolver o problema sócio económico da nossa população”, defende.

“Vou utilizar um outro exemplo. Se formos agora a Mocuba, se formos agora a Morrumbala, Chemba, Caia, havemos de apanhar um irmão qualquer moçambicano, nosso concidadão, e ele tem dinheiro no bolso, ele sabe que pode comprar, 5, 10 ou 15, no máximo 20 sacos de cada vez. E se lhe perguntar por quê estás a comprar tão pouco, vai dizer ‘não tenho mais dinheiro para comprar’. Então, tem que ir ao mercado em Quelimane, tem que ir ao outro mercado em Mocuba, vende e volta. O lucro vai ser de cerca de zero”, acrescentou Valá.

Na perspectiva da fonte, os eventos e circunstâncias devem ser acompanhados a nível do desenvolvimento agrário, daí haver agora um trabalho conjunto entre o Instituto de Cereais de Moçambique e o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, no sentido de estruturar as cadeias de valor. O objectivo é não misturar alhos e bugalhos, ou seja, passa por atender a cada segmento de forma específica, à semelhança do que acontece no Baixo Limpopo, pese embora as últimas chuvas tenham, na opinião da fonte, ofuscado os indicadores de produção.

Para responder às necessidades de financiamento dos produtores, há já passos concretos, avança o director-geral do ICM, IP. – “Hoje temos uma linha de crédito na ordem de mais ou menos 5,2 ou 5,5 milhões de dólares, 380 milhões em parceria muito forte com GAPI, mas também há uma parceria entre o GAPI e a Agência Vale do Zambeze, num investimento muito forte. Há algum pequeno investimento do Banco Nacional de Investimento (BNI) também”.

Terra é riqueza primária

Para Valá, se a cada ano houvesse um investimento muito forte na agricultura, ou seja, se colocasse dinheiro nas mãos dos produtores e eles pudessem fazer compras em quantidades desejáveis, facilmente se ia alcançar grandes níveis de crescimento.

“Eu quero acreditar que quando aparecesse a nossa chefia, a nossa liderança, a dizer ‘daqui a dois anos você tem que mudar o seu tecto, deve deixar de ser de capim e passar a ser de chapa de zinco, porque tem dinheiro para comprar chapa de zinco’, isso iria acontecer, implicando uma melhoria de vida. Seriam menos mosquitos, entre outras coisas, tudo isso a partir da actividade primária dele, que é o sector da agricultura”.

Segundo a fonte, há que ser sincero e reconhecer que a solução para esta problemática não depende exclusivamente do Governo, mas sim de “uma série de antídotos que têm que ser investidos para que os nossos jovens voltem ao campo e tenham dinheiro para comercializar”. “Podem vir à cidade para ver o baile, para ver o Damásio, o Paulo Flores e tudo mais, mas eles ganham a riqueza lá no campo da terra. Terra é riqueza. É riqueza primária, então, é preciso um investimento e eu advogo que se tudo for bem feito, daremos grandes passos”,defende,salientando que já começa a haver um movimento “muito forte” de engenharia financeira nos últimos anos.

O produtor no centro

Dados fornecidos por Mahomed Valá indicam que foram exportados nos últimos dois anos cerca de 200 mil toneladas de feijão para Índia, Dubai, Cazaquistão, entre outros. O preço inter- médio, por quilograma, foi de 25 meticais, o que representa um ganho para os agricultores.

Para Valá, trata-se mesmo de devolver aos produtores  aquilo por que tanto trabalham, o seu salário. Seja como for, há ainda muito por fazer para incrementar a renda dos produtores nacionais. “No final do dia, o intermediário é o tal de Bangladesh. Há lá uma empresa que exporta e tudo mais. Na proporção dos ganhos, o ganho para o produtor fica minimizado. Então, é preciso que ao nível do distrito, ao nível da localidade, capacitemos as pessoas”, sugeriu.

O director-geral do ICM, IP defende que se deve depositar confiança na capacidade de gestão dos produtores, lembrando que há mulheres que, não tendo frequentado nenhuma universidade, sustentam, através de pequenos negócios, quatro a cinco filhos, proporcionando-lhes uma educação de grande qualidade. Essas mulheres, vinca a fonte, fazem melhor as contas do que qualquer outra coisa.

“Obviamente que entre dez financiamentos, há dois que podem derrapar, mas pelo menos há quatro e cinco que hão-de ter um ascendente, e eles vão fazer a diferença na economia anual, sem dúvidas”, diz Valá, que é apologista de uma injecção financeira feita “com calma, gradualismo e de forma muito responsável”.

Num outro desenvolvimento, a fonte fala da problemática de silos em Moçambique, garantindo que a instituição que dirige desdobrou- -se, juntamente com o Ministério da Indústria e Comércio, na busca de soluções ou alternativas. Os resultados poderão ser vistos em breve, pois, segundo a fonte, uma parceria público-privada vai abrir espaço para a construção de cinco complexos de silos, “que estarão altamente operacionais, a fazer compras e a resguardar a produção dos produtores”.

O director-geral do ICM, IP garante que alguns já estão praticamente prontos, faltando apenas alguns detalhes atinentes à energia. Trata-se dos silos localizados em Angónia, Gorongosa e Nhamatanda. Neste momento, procura-se substituir máquinas antigas, que param cada vez que há uma oscilação da corrente.

In jornal Dossies e Factos de 11 de Julho de 2022

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